Por: Antenor Vaz, especialista em políticas para Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contato Inicial.
Este texto é uma sistematização das informações coletadas para a elaboração do Relatório Regional: Povos Indígenas em Isolamento: Territórios e Desenvolvimento na Amazônia e no Grande Chaco, bem como do Informe Trinacional Incêndios. O primeiro produzido por Land is Life e o segundo pelo Grupo de Trabalho Internacional pela Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial - GTI PIACI.
POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE AISLAMENTO – AMÉRICA DO SUL
Povos Indígenas em Situação de Isolamento estão presentes (confirmados) em sete países da América do Sul (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela), nos biomas Amazónicos, Cerrado brasileiro e Chaco boliviano y paraguaio.
São 185 registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento na América do Sul, dos quais, 66 estão confirmados e 119 a serem confirmados.
No caso dos 66 registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento confirmados, constata-se um total de 23 demandas de reconhecimento territorial, em diferentes fases, a maioria sem medidas.
TERRITÓRIOS POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO – AMAZÔNIA, CERRADO BRASILEIRO E GRANDE CHACO
Nossa sistematização contabiliza 41 territórios reconhecidos com registros de presença de Povos Indígenas em Situação de Isolamento na América do Sul (14 deles em Áreas Naturais Protegidas- Áreas Naturais Protegidas). No entanto, os casos da Bolívia, Paraguai e Peru, que, embora a existência de Povos Indígenas em Situação de Isolamento seja confirmada em alguns parques nacionais, esses territórios não são oficialmente reconhecidos especificamente para Povos Indígenas em Situação de Isolamento (um na Bolívia, cinco no Paraguai e dois no Peru).
O Brasil tem quatro "Terras Indígenas" reconhecidas exclusivamente para Povos Indígenas em Situação de Isolamento. Nesses territórios, os povos isolados não os compartilham com outras pessoas. Em outros países, algumas reservas e/ou zonas intangíveis foram instituídas para Povos Indígenas em Situação de Isolamento, no entanto, são compartilhadas por diferentes povos.
POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO X ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS
A partir da constatação de registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento em Áreas Naturais Protegidas e, ao analisa-las, nos deparamos com diferentes concepções sobre a relação entre os seres humanos, natureza e conservação ambiental.
Os Povos Indígenas em Situação de Isolamento, exercem práticas milenares sustentáveis que garantem, em seus territórios, a coexistência de "viver com eles" sem depredá-los. Nesse sentido, enfatizamos que o movimento de conservação precisa descolonizar-se e perceber que cuidar da biodiversidade não exclui necessariamente a ação humana dos povos indígenas.
O movimento de conservação precisa descolonizar-se e perceber que cuidar da biodiversidade não exclui necessariamente a ação humana dos povos indígenas.
Na maioria dos Estados, devido à falta de um arcabouço legal para a definição territorial dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento, utilizam figuras administrativas já existentes no campo ambiental: Áreas Naturais Protegidas, sob diversas categorias de áreas de conservação. É o caso da Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Paraguai.
Em geral, os atos de criação para definir territórios para Povos Indígenas em Situação de Isolamento na Áreas Naturais Protegidas, determinam a formulação de regimes especiais de intangibilidade, deixando nas mãos das diretorias dessas Áreas Naturais Protegidas formular políticas territoriais específicas para Povos Indígenas em Situação de Isolamento. Muito poucos definiram tais políticas, e aqueles que as formularam não as implementaram efetivamente. Apenas são conhecidas iniciativas de proteção para Povos Indígenas em Situação de Isolamento, com restrições, no Tagaeri Taromenane ZITT (no Equador, dentro da PN de Yasuní), Chiribiquete PNN e Rio Puré NNP (ambos na Colômbia).
A grande maioria das 61 Áreas Naturais Protegidas na América do Sul (23 delas em áreas de fronteira internacional), com registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento (confirmados e/ou a serem confirmados), não possuem nenhuma iniciativa efetiva de proteção para esses povos.
Tabla I. Povos Indígenas em Situação de Isolamento en Áreas Naturais Protegidas (Amazonía, Cerrado y Gran Chaco – Datos al 2019)
PAÍSES | NÚMERO PIACI | TERRITÓRIO |
Bolivia | 14 | 12.116.469,80 ha |
Brasil | 21 | 22.326.228,70 ha |
Colombia | 4 | 5.911.025,00 ha |
Ecuador | 1 | 1.218.106,49 ha |
Paraguay | 7 | 1.625.436,00 ha |
Perú | 10 | 10.188.814,3 ha |
Venezuela | 4 | 11.730.730,0 ha |
A grande maioria das 61 Áreas Naturais Protegidas na América do Sul, com registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento, não possuem nenhuma iniciativa efetiva de proteção para esses povos.
PROTEÇÃO POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO X ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS X POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO
Na Amazônia, no Cerrado brasileiro e no Gran Chaco Boliviano e Paraguaio, 61 Áreas Naturais Protegidas suplantam os territórios de diversos povos indígenas em isolamento e contato inicial.
A presença de 61 registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento em Áreas Naturais Protegidas na América do Sul totaliza mais de 65 milhões de hectares.
Dada essa dimensão territorial, é conveniente refletir sobre as reais condições normativas de proteção a que esses povos estão sujeitos nessas Áreas Naturais Protegidas.
Os objetivos e regulamentos da criação de uma Áreas Naturais Protegidas (em suas diferentes modalidades) não atendem aos requisitos de proteção para os Povos Indígenas em Situação de Isolamento. As Áreas Naturais Protegidas, com raras exceções, inclui atividades incompatíveis com autodeterminação e integridade territorial, contempladas nos direitos fundamentais dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento.
Desde a década de 1980, organizações da sociedade civil e organizações indígenas lideram um conjunto de ações de proteção para Povos Indígenas em Situação de Isolamento. Esse movimento cresceu nas décadas seguintes e estimulou alguns estados sul-americanos a definir políticas públicas de proteção. Em 2012 e 2013 a ONU/UNDCP e OEA/CIDH, lançaram documentos importantes que contêm diretrizes para a formulação de políticas públicas de proteção, que se tornaram referência em nível regional.
Apesar desse avanço na formulação de políticas públicas de proteção para Povos Indígenas em Situação de Isolamento, três países não contam com tais políticas: Equador, Paraguai e Venezuela. A Bolívia tem uma lei que protege nações indígenas e povos em alta vulnerabilidade, o que inclui o Povos Indígenas em Situação de IsolamentoCI, no entanto, esta lei (2013) ainda não foi regulamentada. Equador anunciou em 2007 uma proposta de política pública para Povos Indígenas em Situação de Isolamento, no entanto, até o momento, tal proposta não foi promulgada pelo Congresso Nacional.
Brasil, Colômbia, Equador e Peru possuem políticas públicas e órgãos de proteção específicos para Povos Indígenas em Situação de Isolamento, mas são parcialmente ineficazes, pois enfrentam enormes dificuldades de implementação, especialmente no que diz respeito às ações de campo, que exigem recursos humanos e materiais especializados e localizados.
Como regra geral, ações de proteção para Povos Indígenas em Situação de Isolamento e suas políticas são muitas vezes negligenciadas em benefício de interesses econômicos, lícitos e ilícitos.
ÁREAS PROTEGIDAS Y ORGANISMOS INTERNACIONALES
Destacamos os Informes do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz - A/71/229 (2016) e o Informe do atual Relator Especial sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Calí Tzay - A/77/238 (2022) “Áreas Protegidas y Derechos de los Pueblos Indígenas: Las Obligaciones de los Estados y los Organismos Internacionales”.
POVOS INDÍGENAS EM SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO E CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
É importante ressaltar que a proteção dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento faz parte de uma plataforma mais ampla para garantir os direitos humanos e a conservação ambiental, como o direito à autodeterminação, o direito à consulta adequada, o direito ao território integral e intangível e à legislação de proteção ambiental, por exemplo.
No plano regional, na América do Sul, a garantia dos direitos dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento tornou-se um ponto de convergência para a consolidação da defesa dos direitos humanos com foco nos territórios e na saúde desses povos e na preservação da biodiversidade dos biomas que habitam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todas essas considerações, é urgente estabelecer ou maximizar as conexões entre a legislação de proteção Povos Indígenas em Situação de Isolamento de cada país e a legislação das Áreas Naturais Protegidas. É essencial considerar a abordagem socioambiental centrada no princípio da autodeterminação dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento e seus direitos fundamentais.
Conservação focada em direitos humanos, novos paradigmas de conservação e princípios de proteção dos IAP;
A autodeterminação do Povos Indígenas em Situação de Isolamento deve ser central nas Áreas Naturais Protegidas;
A presença de Povos Indígenas em Situação de Isolamento em uma Áreas Naturais Protegidas deve ser decisiva na ordenação e gestão da Áreas Naturais Protegidas, em acordo com o princípio da intangibilidade territorial e outras normas da matéria;
As Áreas Naturais Protegidas devem conceituarem-se, levando em conta as visões de mundo indígenas, o sistema de gestão, controle e proteção das terras indígenas tradicionais que, na verdade, têm protegido a natureza por gerações;
Capacitação dos envolvidos nas Áreas Naturais Protegidas sobre proteção, confirmação da presença de Povos Indígenas em Situação de Isolamento e das vulnerabilidades a que estão sujeitos;
Paralização imediata de todas as ações, desenvolvidas nas Áreas Naturais Protegidas, que violam os direitos dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento;
Incluir dentro do zoneamento das Áreas Naturais Protegidas, com registros de Povos Indígenas em Situação de Isolamento, como zonas intangíveis para a proteção de seus territórios;
Promover reuniões com representantes governamentais responsáveis das Áreas Naturais Protegidas e organizações indígenas e correlatos que trabalham com a proteção dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento;
Produzir informações consistentes sobre a presença da Povos Indígenas em Situação de Isolamento nas Áreas Naturais Protegidas, levando em conta as evidências de sua existência, bem como os impactos a que são submetidos e os determinantes da saúde e bem-estar - em termos físicos, psicológicos e materiais -.
Comments